Meus irmãos, minhas irmãs, nesta festa solene de nossa
excelsa Padroeira, impelido pela minha responsabilidade de Pastor da Igreja de
Serrinha, diante de situações e atitudes negativas que o povo padece, elevo a
minha voz, indicando a solução no exercício da responsabilidade, a vários níveis, chegando, em seguida, a destacar
uns fatos concretos que corroem a dignidade humana, tornando impossível viver
uma vida boa, de qualidade.
Introdução: Quando si fala de responsabilidade, é necessário recorrer
ao termo liberdade, porque esta é a
palavra que mais pede a responsabilidade, aliás “liberdade significa
responsabilidade, É por isso que muita gente tem medo dela” (George B. Shaw,
escritor irlandês). A liberdade é o dinamismo fundamental do ser e do agir
humano, porque quando se nega o livre arbítrio, desaparece a possibilidade de
falar da responsabilidade: é o homem livre que tem capacidade de ter
consciência, de refletir e ponderar suas ideias, suas opções, de reconhecer
seus erros e corrigir-se para o bem. Portanto, meus irmãos e minhas irmãs,
estamos falando de uma responsabilidade
moral, de uma virtude, não só do ponto de vista espiritual, mas, antes, do
ponto de vista cívico, humano, como cidadãos do mundo. De fato, a
responsabilidade nos leva à abertura aos outros, nos leva a recusar o mal,
mesmo quando é sedutor, e escolher o bem, mesmo quando custa, leva à
honestidade, à justiça, à vantagem social e não à particular.
Assim a responsabilidade moral, que cada qual tem em relação
a si mesmo, alarga-se necessariamente aos outros, de forma que toda boa ação
melhora a convivência humana (Cfr. L. Monari: A responsabilidade é uma virtude
cívica).
Quem não tem a liberdade de escolher e de agir, torna-se não
responsável, no sentido que não pode exercer sua responsabilidade por causas
externas, como, por exemplo, nos regimes
totalitários: faltando a liberdade, obrigados a agir conforme a decisão alheia,
não se tem a responsabilidade moral.
Mas existem formas de irresponsabilidade imputáveis às
pessoas, quando elas, por esperteza, por interesses, por ideologias agem contra
o bem comum. E parece que a nossa sociedade esteja avançando neste sentido, sem
perceber que está destruindo a vocação humana.
Poderíamos citar a irresponsabilidade de quem se apela à
liberdade de pensamento e de expressão, não em vista do bem comum, mas para
fazer a cabeça das pessoas, para difundir a mentira e os vícios; a
irresponsabilidade de quem usa os meios de comunicação, instrumentos tão
preciosos para a sociedade, para propagar interesses ocultos; a
irresponsabilidade de quem usa a campanha eleitoral não para oferecer respostas
concretas aos problemas sociais, mas para se promover, enganando com promessas
que nunca serão cumpridas ( Cfr. L. Monari).
1. Dizendo isso, já estamos nos
adentrando nos problemas concretos de nossa sociedade que exigem uma resposta,
a partir da responsabilidade de quem detém alguma autoridade.
A
primeira provocação é dirigida à Igreja como um todo: do Bispo até o último dos
fiéis.
O Papa
Bento XVI, ao proclamar o Ano da Fé, quis relançar o programa da Nova
Evangelização, desenhado pelo Papa João Paulo II, entendendo a N.E. como
prioridade da Igreja do terceiro milênio.
Parece
que nas Paróquias foi pouco recebida esta preocupação do Papa. Na Visita
Pastoral não faltaram apelos e orientações e, agora, no Sínodo Diocesano,
estaremos chamando atenção a este respeito, perguntando: como conquistar os
homens de hoje ao Evangelho? Como reconduzir os jovens a Jesus Cristo? Que tipo
de catequese faremos para renovar a fé cristã? Como recuperar a identidade da
família cristã? Estas e outras perguntas deverão encontrar respostas concretas,
sérias, novas para o revigoramento da fé.
Ninguém
dentro da Igreja poderá dormir sonos tranquilos, se não se dedicar com paixão a
construir a N.E. Como poderíamos ficar tranquilos, quando sabemos que tantas
pessoas, talvez a maioria, não têm Deus no horizonte da vida?
O Papa
Bento XVI oferecia uma resposta, apontando duas coisas:
-
voltar ao essencial da fé e da vida cristã;
-
viver nós mesmos, por primeiros, uma profunda experiência de Deus.
Concluo
esta primeira provocação dizendo que a responsabilidade
do cristão no mundo é uma verdade que provém da visão cristã da vida, muito
bem ilustrada pela Doutrina Social da Igreja. Trata-se da nossa resposta à
solidariedade de Deus para conosco, evidenciada principalmente na encarnação de
Jesus.
De
fato, nós cristãos sabemos que Deus nos quis cidadãos do mundo e que nos
colocou, por um tempo, na história do mundo, para darmos conta dela com responsabilidade, conscientes de que a
fé não serve para melhorar a economia ou resolver problemas sócio-políticos,
mas ela serve para melhorar o homem no seu interior, para que este possa
melhorar o mundo com sua vivência e seu testemunho.
Interessante,
a este propósito, a palavra do Papa Francisco durante a visita a comunidade de
Varginha: “Não deixemos entrar no nosso coração a cultura do descartável,
porque nós somos irmãos” e ainda: “tudo aquilo que se compartilha, se
multiplica!”.
2.1 A segunda provocação se dirige ao
mundo político e social, que tem a responsabilidade de construir uma cidade em
que cada pessoa possa viver bem, com dignidade.
Os
protestos nas ruas dos últimos meses dizem que o povo brasileiro não está
dormindo. Muito pelo contrário. O povo, cansado de sofrer, de suportar
injustiças por parte de ‘sem vergonha’ que foram eleitos para servir o povo e a
Nação e que não se importam com isso, mas só com seus benefícios, invadiu as
ruas clamando pela justiça e a honestidade. O quadro da situação é fosco
demais. Exigem-se mudanças e mudanças para valer.
Deste
quadro fosco procuro trazer às claras algumas situações gravíssimas que mostram
a falta de responsabilidade por parte de quem governa ou de quem deve legislar.
Infelizmente,
devo voltar de novo ao problema do
aborto, que já abordei na homilia do ano passado, porque o Senado aprovou
recentemente o Projeto de Lei da Câmara 3/2013 com a intenção de legalizar o
aborto provocado. Usaram a estratégia de querer oferecer assistência integral
de saúde às vítimas da violência sexual. Tudo bem! Mas passaram também itens
que favorecem a legalização proposital do aborto. Foi um procedimento dissimulado
e indigno, feito de astúcias e, portanto, perverso.
A
aprovação, após rapidíssima tramitação, aconteceu sem quaisquer debates.
Eu
pergunto: os Deputados e os Senadores não sabiam o que estavam votando? Estavam
dopados, por acaso? Eles não entendem que gravidez não é patologia, que uma
vida gerada não é doença a ser curada ou eliminada?
Eles
só entendem mesmo as cifras do seu gordo salário, entre os mais altos do mundo!
Nós
católicos, juntos com todas as pessoas de boa vontade que estão a favor da vida,
não calaremos. O nosso grito sempre será: o aborto é um crime, não um direito
humano.
Agora
o projeto está nas mãos da Presidente da República Federal. A CNBB já se
manifestou, pedindo o veto a tal projeto, pelo menos dos itens que abririam a
possibilidade legal de provocar o aborto.
Queremos
ver se a Senhora Presidente respeita a Constituição federal, que tem como
fundamento a dignidade da pessoa humana (artigo1º) e que garante a
inviolabilidade do direito à vida (artigo5º).
Queremos
ver se a Senhora Presidente é pessoa de palavra, cumprindo o compromisso com o
povo brasileiro, durante as eleições de 2010, de que não legalizaria o aborto
no país, ou se se deixa levar pelo partido abortista a qual pertence.
2.2 Outro aspecto
que merece
a nossa atenção é a
calamitosa situação da saúde pública em todo o país.
Ainda
ressoa em meus ouvidos o grito desconsolado de inúmeras pessoas desamparadas
pelo sistema público da saúde, que não recebem internação nos hospitais superlotados,
não recebem curas adequadas porque de alto custo, obrigadas, portanto, a ficar
deitadas em suas camas, com suas dores, sem cura e sem esperança. Esta é a
situação da nossa Diocese que encontrei na Visita Pastoral.
E que
dizer da notícia que recebi, segundo a qual públicos oficiais chamados a
avaliar a situação de saúde das pessoas para aprovar o benefício da
aposentadoria ou da invalidez, seriam pagos para negar tal benefício?
Não
quero acreditar, mas se for verdade, tamanha iniquidade deverá se encontrar com
a justiça divina.
O
sofrimento das pessoas fere o meu coração e gera em mim uma revolta. Para
oferecer uma resposta a este problema, tentei percorrer caminhos para trazer em
nossa cidade um Hospital de qualidade, com serviços especializados que aqui não
existem. Infelizmente, não sei se ainda tem esta possibilidade, porque si
passou um tempo longo, mais de um ano e meio e não tive respostas: problemas
burocráticos? Incompetência ou má vontade de agir? Interesses políticos ou
outros?
Não
sei, mas eu fiquei triste e desanimado. Ainda parece existir um mínimo de
esperança pela solicitação que o Sr. Prefeito encaminhou ao governo do Estado,
para liberar a documentação necessária.
Acredito
que seja tarde demais, mas a esperança é a última a morrer.
Quero
lembrar aos governantes, aos médicos, aos bem abastecidos que procuram
hospitais de renome fora da cidade, que todos nós, ninguém excluído, somos
candidatos ao sofrimento: não sabemos quando, se agora ou amanhã ou nos últimos
anos devida, mas o sofrimento chegará até nós!
Enquanto
estamos com saúde, a tendência é non pensar nisso e também esquecer-se do
sofrimento alheio. Sendo que amanhã nós poderíamos precisar, e muito,
procuremos dar a necessária atenção a todos os doentes, procuremos oferecer
todo tipo de assistência, de prevenção às doenças físicas e psicológicas.
Aos
que têm o poder eu peço de assumir, em seus programas de governo, a saúde como
prioridade absoluta: a voz do povo clama e a voz de Jesus manda-nos fazer a
mesma coisa que fez o Bom Samaritano.
Eu, em
nome da Diocese, assumo hoje o compromisso de preparar um ambiente para
atendimento às pessoas idosas, mostrando assim que a Igreja, desde sua origem,
preocupa-se com os problemas sociais e as necessidades dos homens.
A
pastoral familiar, com outros movimentos afins, estará na vanguarda deste
projeto.
2.3 Enfim, a terceira provocação é um
olhar sobre a cidade de Serrinha, que julgo atrasadas de algumas décadas quanto
à infraestrutura, à organização, à civilização, que exige mútuo respeito,
consideração e urbanidade, que significa respeito à cidade, às coisas públicas
e valorização de tudo o que é de todos.
Sinais
de crescimento têm, sem dúvida alguma, mas se não forem acompanhados pelas
atitudes acima, a imagem negativa de quem chega à cidade continuará senso
predominante, mesmo com a implantação do shopping.
Luxo e
lixo não combinam; avanços e atrasos se contrapõem; bagunça e desordem não
geram progresso.
Fui
tomado pela curiosidade e andei em todas as ruas da cidade, entre a linha do
trem e a BR116: não encontrei uma rua sequer, a não ser alguns trechos, sem
lixo ou buracos, ou entulho, ou materiais de construção, ou com calçada e solo
público ocupados por particulares, com grave incômodo para pedestres e auto
veículos.
É
esta, por acaso, a urbanidade, isto é uma cidade bela, limpa, organizada?
Gostaria
de ver a cidade de Serrinha, que tem a bela idade de 137 anos de emancipação,
igual àquelas senhoras de idade avançada, mas bem arrumadas e cheirosas.
Pelo
contrário, a senhora Serrinha se apresenta desajeitada, malcheirosa,
despenteada, com traços de antiga beleza
mal cuidados. Quem pode gostar dela?
Eu
quero te ver bonita, Serrinha, minha pátria de adoção! Mas todos os
Serrinhenses devem colaborar para o restauro, para a reconstrução, para o
embelezamento da cidade.
Conclusão: Irmãos e irmãs, só me resta agora o
apelo à Senhora Sant’Ana: não peço, Santa Padroeira, o milagre da conversão das
pessoas que estão longe da Igreja, que non vivem o amor, que até não conhecem
ou não querem se encontrar com Jesus; eu peço à Senhora de ficar perto dos seus
fiéis e devotos, de ajudá-los a viver seus compromissos, exercendo a
responsabilidade que temos em força do batismo.
Se
cada um de nós for responsável de sua vida, de sua vocação e da vida dos
irmãos, nós estaremos construindo a cidade de Deus em nossa cidade: um novo
tempo irá amanhecer.
Assim seja.